
Me chamo Jahari e pretendo relatar aqui a vocês um pouco da minha deplorável vida, ou existência.
Meus pais morreram em uma invasão à aldeia em que vivíamos quando eu tinha apenas 6 anos. Tenho infelizes lembranças daquele acontecido. Lembro-me dos meus pais gritando, berrando, urrando, suplicando por piedade, fato que se sucedera por um estrondo de tiro. Eu ficara ali, estático, naquele cubículo onde meus pais haviam me aconselhado esconder. Observara àquilo com um ar intrigante e inquieto, tentando entender o que estava acontecendo, pois naquela época não tinha maturidade o suficiente para entender o que, de fato, significava a morte. Não tinha maturidade o suficiente para compreender que, a partir daquele momento, nunca mais os veria novamente.
Aqueles gritos atormentam minha mente a todo instante até os dias atuais.
Hoje completo 14 anos. Mas e daí? Quem se importa? Quem ao menos sabe disso? Bem queria ganhar um pão de presente. Mas não tenho amigos a quem posso confiar tal pedido. E mesmo se tivesse, não creio que se dariam ao trabalho de me arrumar algo tão valioso.
Até tento evitar de me lembrar de comida, ainda mais hoje que estou faminto, pois, sempre que o faço, meus olhos se enchem d'água e minha boca seca automaticamente dá-se lugar a uma acelerada salivação.
Faz pouco mais de quatro dias que não como nada. Juro que, neste instante, seria capaz de comer até carne humana.
Além da fome, o cansaço também me domina, pois há muito tempo sigo essa minha caminhada sem rumo sob o efeito desse maldito sol escaldante.
Paro para descansar sempre quando a noite chega. Deito no chão e tento dormir, mas meu estômago ronca tão alto que não me permite fazê-lo muito bem.
A jornada prossegue. O forte bodum que exalava do meu corpo começa a ficar insuportável até mesmo para mim. Não consigo nem me lembrar de quando fora a última vez que tomara um banho decente.
A água do meu cantil improvisado está acabando. A última vez que o reabastecera tinha sido na última aldeia que encontrara há exatos três dias. Infelizmente, a água, não tão pura, fora a única coisa que puderam me oferecer. Aquele povo, assim como eu, era completamente miserável. Optei por continuar minha jornada em busca de um lugar melhor.
Pode tudo isso até soar exagero de minha parte, mas meu estado de pobreza é realmente crítico, lamentável, e, sinceramente, não sei até quando conseguirei sobreviver. Minha desgraçada realidade se resume em uma nua e crua miséria. Vivo apenas alimentado por minhas expectativas e esperanças.
Não consigo imaginar a catástrofe que fizera para ter sido tão castigado assim. Não consigo achar um porquê para tudo isso estar acontecendo comigo. Não consigo entender por que EU fora escolhido e predestinado a sofrer tanto durante TODA minha existência. Me pergunto a todo momento: Por que EU?
E, pode nem todo mundo concordar, mas tudo isso sempre me põe a refletir, questionar e duvidar sobre a existência de um Deus.
São várias perguntas sobre minha existência em si que definitivamente me intrigam. Minha mente está sempre em constante trabalho, apesar de meu lastimável estado físico não deixar transparecer isso.
Às vezes prefiria não ter nem nascido. Já pensei várias vezes em, simplesmente, desistir de continuar lutando, mas, apesar de tudo, tenho bastante fé de que, em breve, encontrarei uma pequena aldeia que tenha condição de me acolher, de me fornecer qualquer coisa conceituada comestível.
Apesar de toda miséria, fome e carência de lar, família e amigos, ainda vivo, mas o faço com a plena consciência de que meu grande objetivo vital é, simplesmente... sobreviver.
Espero que, no mundo afora, quem tem a oportunidade de fazer isso intensamente, que o faça! E que se alegre por ter tudo que tem, porque existem pessoas, assim como eu, que não têm absolutamente nada.
Mais do que uma dica, isso é um apelo.