14/12/2008

ENSAIO II

Para Lya Luft

É tudo sobre essa linha imaginária, sobre essa barreira invisível. Existe algo que envolve possibilidades, disse ele a ela esperando uma resposta, que fosse corporal, ainda pensou. Ela olhou para os lados bem devagar, olhou para o prato branco sujo e então para ele. Seus olhos, uma verdadeira mistura de curiosidade e compaixão, ansiavam por uma palavra que aliviasse a tensão do momento. Ela sabia que era muito difícil para ele. Então, finalmente propôs que já é hora de deixá-los, não acha?, que é hora de sair de lá e então entre o momento deixava a taça de vinho sobre a mesa e o instante em que ouvia as últimas palavras saírem da boca dela, resolve pegar em suas mãos e dizer bem firme que não adianta deixá-los, que ir pra longe não adianta, porque não existia lugar no mundo que fizesse a distância dele com o problema aumentar. Fez uma pausa e olhou para ela, ainda segurando firme suas mãos. Percebia, enquanto fitava aqueles belos olhos, que uma lágrima deles caia, borrando o lápis e a maquiagem de seu feito rosto. Enquanto passava o dedo enxugando a lágrima, ele terminava sua sentença dizendo que a distância com que ele lida é a distância interna, essa confusão gigante que a cada dia verificava se encontrar. Soltando suas mãos, agora tomando mais um pouco do vinho, ele diz muito obrigado e ela diz que não fez nada e que gostaria muito de ter tentado mais e não ter aborrecido-o e mais uma vez ele a interrompe dizendo que o problema não era com ela e sim com ele. Ela sorri, com uma certa malícia fulminante, com uma leve dissimulação no olhar. Talvez você dê importância demais ao que não mereça, disse ela de uma vez não tirando os olhos dele. E talvez você nunca entenda sobre a questão que batalho no meu íntimo, até mesmo porque ela não é uma coisa simples. A complexidade existe e infelizmente não é fácil explicar, preciso ir, disse já se levantando e deixando o dinheiro da conta, a gente se fala por aí, disse pegando o casaco. Já no carro, dirigindo a esmo naquela noite nublada, abriu os vidros e deixou sentir o vento nos cabelos e se permitiu o fechar aos olhos. Sua pior ação, viria a constatar. Ao abrí-los, nada via além de dois grandes holofotes imensos uma luz amarelada que se tornava branca a silhueta da morte. Tudo o que sentiu foi um pequeno corte na mão direita. Nada mais. E não precisaria mais preocupar-se com barreiras imaginárias ou linhas invisíveis. Afinal, não mais precisaria conviver com possibilidades. Ultrapassara tudo, deixando para trás o lógico e o emocional. Se fora; simples e rápido com os relâmpagos daquela que era uma noite nublada.

[ Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down ]
Elephant Gun - Beirut