28/11/2008

ENTRELINHAS

Escrito em 08/09/2008

Para

Caio Fernando Abreu
Os Beatles, todos

Queria poder pegar todas aquelas idéias-maravilhosas-que-mais-ninguém-teve-mas-eu-tive-e-esvairam-se de volta. Sabe, tenho certeza de que se reúnem em algum lugar secreto, mágico, como os que Jostein Gaarder cria em suas fantasiosas terras peculiares. E não as queria para poder fazer uso delas, apenas para mantê-las juntamente com as demais que consigo prender. Queria poder pegar as palavras mal-ditas, poder pegar os nãos recebidos, os descasos a mim dados e colocar tudo dentro de uma caixa. E deixar lá, num canto qualquer. Queria pegar os sentimentos bons, as alegrias, a euforia, colocar em vidros vazios e dar à Lucy. A Lucy, aquela menina que corre e deixa tantos rastros coloridos, sabe? Ou então ao Jude. Seria interessante doar um pouco do conteúdo desses vidros a esse menino tão quieto. Eu garanto que usufruindo desses sentimentos ele daria vazão a louca folia de cores. Seriam verdes, vermelhos, azuis, amarelos alarajandos amarronzados anilados cores cores azul vermelho para todos os lados para todos os jeitos: toda a eterna desincronia de fontes coloridas: azuis com vermelhos formando o arroxeado o azul com o amarelo formando o esverdeado. E dessa loucura de cores prover aos dois, agora então companheiros, à insanidade. Pegá-los e colocar numa caixa, bem diminutos. Numa insaciável sede por cores e por este megalomaníaco interesse em diamantes. Sabe que uma vez Lucy foi cheirar pó mas a engaram e a venderam pó de vidro? A pobre garota loura de olhos bem azuis cintilantes sangrou quase até a morte. Mas passou. Quero sair deste meu lugar secreto. Quero libertar todas estas idéias que mantive presas por tanto tempo. Presas na minha mente, coitadas. Debatendo-se dias e noites e tardes ensolaradas chuvosas quentes frias gélidas umas às outras, Me deixem sair, grita uma delas, num frenesi louco, QUERO SER REAL, implora outra. Jude e Lucy devem aproveitar seu tempo, pois dele não resta muito. Mas como eu dizia não se pode aprisionar a todos e a tudo o que se tem vontade. A algumas coisas dá-se o que chamam de liberdade, mas é um papo furado tremendo. O que é a liberdade a justiça a democracia a liberdade senão antíteses em suas essências? E todo o assunto que se vê na boca de pessoas que não valem à pena? E quem o que vale a pena? Jude e Lucy vivem cheiram choram chamam chocam, viu só como são ativos?, chulipam chuviscam chovem choram choram. Vejo gotas de Lucy e Jude caírem do céu, o tão famoso céu com diamantes. A psicodelia dá-se então instaurada: gotas de Lucy rosas amarelas azuis verdes vermelhas vermelhas muito vermelho, Jude caindo em forma de anil roxo lilás amarelo amarelo muito amarelo anil azul Jude azulado. Jude in the Sky with Diamonds, Hey Lucy, diz Jude, Hey Jude, ela responde, Lucy in the Sky with Diamonds, ele diz, e ela chora e confunde-se choro com choro e lágrimas com lágrimas e as cores se difundem numa psciodelia muito louca. Quero ir pra casa, quero ir pra casa, diz uma lágrima, uma gota, uma chuva. Lucy está em sua cama, olhando o teto, vê um coração enorme escrito Eu te amo, enquanto Jude está procurando o monstro que ouviu falar debaixo do seu armário. Lucy ama Jude, e ela lembra de ter dito isso várias vezes, várias cores : amarelos azuis vermelhos. Vários amarelos amo, vários azuis eu, vários vermelhos verdes anis te. Muito doce, muito doce. Lucy deixa a casa, a cidade. Lucy deixa Jude.

Jude vê nuances de todas as cores que acompanhava seus passos. Vê nuances entre as várias formas que saia de si mesmo. Vê nuances de seus vários eus azuis amarelos vermelhos. pretos. brancos. marrons. Jude desiste de tudo e se entrega. Hoje trabalha num hotel levando e trazendo malas, subindo, ganhando gorjetas, descendo, ganhando desaforos, humilhações. palavras mal-ditas. descasos. Dia desses foi para sua casa no meio do turno porque recebera um carregamento. From me to you, era só o que estava escrito. Jude percebeu que recebera idéias-maravilhosas-que-mais-ninguém-teve-mas-eu-tive-e-esvairam-se, postais de lugares secretos, mágicos, como os que Jostein Gaarder cria em suas fantasiosas terras peculiares, palavras mal-ditas nãos recebidos descaso: todos implorando por liberdade justiça democracia. paz. Em uns vidros bonitos havia ainda sentimentos bons alegria euforia. Concluira: recebera Lucy de volta.

20/11/2008

Sobre o curta-metragem Bastille

Sem dúvida alguma Isabel Coixet já se mostrou bastante competente na direção de brilhantes filmes, assim como na arte de fazer-nos refletir com suas obras, como nos é acometido em "minha vida sem mim". E foi com toda sua experiência, somada a ajuda dos excelentes atores Miranda Richardson, Sergio Castellitto e Leonor Watling que conseguiu, enfim, dirigir um curta-metragem genial, de aproximadamente 5 minutos, para fazer parte da estrita coletânea "Paris, te Amo". Apresento-lhes Bastille.

Sentado no mesmo restaurante em que se conheceram, nosso pensativo protagonista aguarda pela chegada de sua mulher. Não se tratava de uma comemoração romântica. Precisava, naquele dia, naquele lugar, daqui a alguns minutos, fazer uma confissão que mudaria o rumo de sua vida amorosa. Precisava anunciar a separação. Desejava viver uma vida diferente com a sua amante de longa data, Marie Christine. Uma vida oposta àquela rotineira que sua mulher lhe proporcionava. O velho casaco vermelho que o atraira quando a conhecera se tornara agora um fardo e uma simbologia do constante recomeço e da rotina. As qualidades de outrora viraram defeitos do agora. E tudo isso se convergia em uma única suposta verdade: ele não a amava mais. Enfim, é esta uma confissão que jamais fora revelada. Fora suprida por uma revelação maior e inesperada de sua mulher: a notícia de que ela portava de Leucemia em fase terminal.
Eis aqui o grande conflito da história. O fator externo que fará com que o carretel se desenrole. O que fazer? O que realmente deveria predominar nesta situação, a razão ou o coração? O marido em questão opta sabiamente pelo correto. Corta sua relação paralela com Marie Christine e resolve dedicar todo seu tempo a cuidar da enferma esposa. O que, logo nos leva a pensar que, a partir de então, levaria uma vida completamente infeliz ao lado dela. E é justamente neste ponto que o filme nos contraria e nos surpreende. Fingindo ser um marido feliz e apaixonado é que ele consegue, de fato, se reapaixonar pela sua mulher. Os defeitos de há pouco reviraram qualidades. Mas a essa altura, já era tarde demais. Quando ela morre em seus braços, ele entra em um estado de trauma terrível. O desejo vicioso de poder voltar no tempo o toma conta. Desejava ter aproveitado infinitamente mais da presença da esposa em vida. Mas não podia. Desejava nunca ter que conviver com o remorso de um dia ter tido uma amante e sequer cogitado em separar de sua mulher. Mas não podia. O velho casaco vermelho adquirira uma nova simbologia.
Um turbilhão de reflexões surgem em nossa mente durante este final. Chega a hora de nos colocarmos no lugar das personagens e vivermos o drama dos mesmos. Aliás, ficamos pasmos ao perceber como um curtíssimo filme de cerca de 6 minutos nos é capaz de proporcionar tanta ponderação... E tantas possíveis interpretações e análises psíquicas. Sugere-nos uma análise acerca do desgaste das relações amorosas; Da forma que culpamos o próximo quando o erro ou o defeito está em nós mesmos; Do grande paradigma que é o discurso de que só passamos a dar valor a certa coisa depois que a perdemos. Et cetera.
Eis um curta-metragem digníssimo de elogios, muito bem dirigido por Coixet. Quem ainda não assistiu, recomendo que o veja. Não pense que essa simples descrição ilustra toda magnitude dessa proposta de "curta tese". Pois não, o filme vai muito além disso. As imagens sugestivas são capazes de nos fazer compreender e sentir algo que palavras são insuficientes e vagas demais para descrever. Serão, sem dúvida, seis minutos muito bem aproveitados, com muita lição. Muito longe de 2 horas e meia desperdiçadas.

03/11/2008

A Política Para Thomas Hobbes - Leviatã


O que diz a filosofia sobre política? Não só política, mas sobre qualquer tema, os pensamentos variam de filosófo para filósofo. Uns a frente de seu tempo, outros descordando de um pensamento anterior.
No decorrer da história, o homem busca o convívio em sociedade, sempre havendo líderes.
Para apresentar suas propostas de como seria o Estado ideal, Hobbes primeiramente define o homem na ausência da sociedade. Em sua principal obra, "Leviatã", estão suas idéias políticas, minha fonte bibliográfica.
Hobbes viveu em uma época Absolutista, começou a estudar cedo e se dedicou a tradução de livros e a aulas que dava a filhos de nobres, usufruindo das grandes bibliotecas dessas casas.
Para Hobbes, no estado natural todos os homens são iguais, tendo direito a todas as coisas. Sendo iguais na força (física ou astúcia), os homens desejarão também, as mesmas coisas. Por isso entrarão em guerra. Somos egoístas por natureza. No estado natural a vida está em constante ameaça.
Para haver a paz, é preciso que ocorra um acordo entre as pessoas. Com isso, estaremos saindo do nosso estado de natureza, em que não há convívio social [frisando: o homem não é sociável por natureza], para fazer o acordo, depositando a confiança no próximo, pois, não é garantia de que ele seguirá o acordo.
Que acordo é esse? É o chamado pacto social. As leis naturais (seguir a paz, gratidão, cumprir os pactos, perdão, não ofender o próximo) não tem eficácia, não tem garantia de que vão funcionar porque não há alguém que obrigue a serem cumpridas, e elas devem ser cumpridas por todos.
Para acabar com a insegurança entre os homens e fazer cumprir a lei natural, é fundamental e indispensável a presença de um Estado para garantir a paz civil, defendendo o povo das invasões estrangeiras, das ofensas de uns com os outros, garantindo a segurança e a alimentação.
A única maneira de instituir o Estado é conferir toda a força e poder a um soberano, reduzindo as diversas vontades do povo em uma só. É aí que entra o pacto social, que vai designar o soberano como representante do povo, cada um se reconhecendo como autor de tudo o que o soberano fizer relacionado com a paz e segurança de todos. O povo submete suas decisões à decisão do soberano.
O soberano pode ser uma pessoa ou uma assembléia de pessoas. É representado pelo Grande Leviatã, um monstro bíblico.
O pacto é de cada homem com todos os homens, é entre os cidadãos, não entre o povo e o soberano. O Estado está fora do pacto. O soberano é o Estado.
Com o pacto os cidadãos se privam da liberdade que tinham no estado natural de fazer justiça com as próprias mãos e transferem esse direito/responsabilidade ao Estado.
Essa desigualdade entre povo e soberano será necessária para gerar a paz, sendo que na igualdade havia guerra. No estado natural todos eram iguais na força e agora com o Estado, os cidadãos serão iguais na fraqueza, pois cederam seu poder ao soberano.
O Estado será o garantidor da paz civil, está acima dos homens (súditos).
O soberano poderia se transformar em um ditador e matar todos, por exemplo? Não, pois não é do seu interesse. O soberano precisa do poder do povo, é de seu interesse que o povo esteja em boas condições. E não há o risco de o soberano fazer algo ruim para o povo, porque qualquer coisa que ele fizer será o bem, porque é o que ele quer. O soberano não deve satisfações de seus atos e nem eu terei o direito de contestá-los, pois, compactuei cedendo todo o meu poder a ele.
O que fará com que os homens saiam do estado de natureza, compactuando entre si? O medo! O que leva os homens a se formarem em sociedade não é a boa vontade, mas o medo que cada um tem do outro, o medo de morrer, porque o homem tem um instinto de conservação, ou seja, um instinto de manter sua própria vida acima de todas as coisas [lembrando que na ausência de sociedade e Estado, a vida está em constante ameaça]. Portanto, a busca pela companhia não provém do amor, mas sim para tirar algum proveito do próximo.
O pacto é tácito, pressupõe-se que todos estão de acordo.
Sobre a escolha do soberano, Hobbes não se preocupa. Mas o próximo soberano é o atual soberano quem escolhe.
Temos a impressão de que com o Estado não há liberdade, mas na prática, agora teríamos mais liberdade do que no estado natural, isto é, agora não precisaríamos ter medo dos outros, pois todos somos iguais na fraqueza.
As pessoas teriam o direito de ir contra o pacto, caso as leis o punissem? Sim. Pois quando a pessoa comete um crime, por exemplo, o Estado se volta contra ela, e como temos o instinto de conservação, faremos tudo para salvar a nossa pele.
Hoje em dia, se um criminoso fugir da cadeia, quando ele for recapturado sua pena irá aumentar? Não. Justamente porque temos o instinto de conservação. É normal o criminoso querer fugir, a falha é do Estado que o deixou escapar.
Hobbes é Absolutista? Não! A partir de Maquiavel, o Estado é apresentado de forma a não seguir um direito divino, o que há no Absolutismo. E Hobbes segue a mesma idéia, o Estado segue as exigências do pacto social. Leviatã é representado com uma espada e um cetro/cajado em cada mão, representando o poder militar e religioso, que devem seguir juntos. O soberano decide qual religião todos devem seguir juntos. O soberano decide qual religião todos devem seguir.
Outra diferença entre o Absolutismo e o pensamento de Hobbes, é que ele admite que o soberano possa ser uma aristocracia, embora prefira a monarquia, para não haver muita fragmentação de poder, que gera conflitos.
Hobbes teve que apoiar o rei para que suas idéias não fossem atacadas e tivessem público.
As idéias de Hobbes nunca foram aplicadas, mas assim como o exemplo que citei de no caso de fuga da prisão, a pena continuar de onde parou, há muito a presença dessas idéias hoje.



Agradeço ao Filósofo Professor Euclides, por me dar a melhor ajuda em filosofia que eu poderia ter.