20/11/2008

Sobre o curta-metragem Bastille

Sem dúvida alguma Isabel Coixet já se mostrou bastante competente na direção de brilhantes filmes, assim como na arte de fazer-nos refletir com suas obras, como nos é acometido em "minha vida sem mim". E foi com toda sua experiência, somada a ajuda dos excelentes atores Miranda Richardson, Sergio Castellitto e Leonor Watling que conseguiu, enfim, dirigir um curta-metragem genial, de aproximadamente 5 minutos, para fazer parte da estrita coletânea "Paris, te Amo". Apresento-lhes Bastille.

Sentado no mesmo restaurante em que se conheceram, nosso pensativo protagonista aguarda pela chegada de sua mulher. Não se tratava de uma comemoração romântica. Precisava, naquele dia, naquele lugar, daqui a alguns minutos, fazer uma confissão que mudaria o rumo de sua vida amorosa. Precisava anunciar a separação. Desejava viver uma vida diferente com a sua amante de longa data, Marie Christine. Uma vida oposta àquela rotineira que sua mulher lhe proporcionava. O velho casaco vermelho que o atraira quando a conhecera se tornara agora um fardo e uma simbologia do constante recomeço e da rotina. As qualidades de outrora viraram defeitos do agora. E tudo isso se convergia em uma única suposta verdade: ele não a amava mais. Enfim, é esta uma confissão que jamais fora revelada. Fora suprida por uma revelação maior e inesperada de sua mulher: a notícia de que ela portava de Leucemia em fase terminal.
Eis aqui o grande conflito da história. O fator externo que fará com que o carretel se desenrole. O que fazer? O que realmente deveria predominar nesta situação, a razão ou o coração? O marido em questão opta sabiamente pelo correto. Corta sua relação paralela com Marie Christine e resolve dedicar todo seu tempo a cuidar da enferma esposa. O que, logo nos leva a pensar que, a partir de então, levaria uma vida completamente infeliz ao lado dela. E é justamente neste ponto que o filme nos contraria e nos surpreende. Fingindo ser um marido feliz e apaixonado é que ele consegue, de fato, se reapaixonar pela sua mulher. Os defeitos de há pouco reviraram qualidades. Mas a essa altura, já era tarde demais. Quando ela morre em seus braços, ele entra em um estado de trauma terrível. O desejo vicioso de poder voltar no tempo o toma conta. Desejava ter aproveitado infinitamente mais da presença da esposa em vida. Mas não podia. Desejava nunca ter que conviver com o remorso de um dia ter tido uma amante e sequer cogitado em separar de sua mulher. Mas não podia. O velho casaco vermelho adquirira uma nova simbologia.
Um turbilhão de reflexões surgem em nossa mente durante este final. Chega a hora de nos colocarmos no lugar das personagens e vivermos o drama dos mesmos. Aliás, ficamos pasmos ao perceber como um curtíssimo filme de cerca de 6 minutos nos é capaz de proporcionar tanta ponderação... E tantas possíveis interpretações e análises psíquicas. Sugere-nos uma análise acerca do desgaste das relações amorosas; Da forma que culpamos o próximo quando o erro ou o defeito está em nós mesmos; Do grande paradigma que é o discurso de que só passamos a dar valor a certa coisa depois que a perdemos. Et cetera.
Eis um curta-metragem digníssimo de elogios, muito bem dirigido por Coixet. Quem ainda não assistiu, recomendo que o veja. Não pense que essa simples descrição ilustra toda magnitude dessa proposta de "curta tese". Pois não, o filme vai muito além disso. As imagens sugestivas são capazes de nos fazer compreender e sentir algo que palavras são insuficientes e vagas demais para descrever. Serão, sem dúvida, seis minutos muito bem aproveitados, com muita lição. Muito longe de 2 horas e meia desperdiçadas.

2 comentários:

lukels disse...

A Isabel, na minha opinião, transforma qualquer segundo de seus filmes, curtas e produções em geral em milagres cinematográficos. Existem pessoas que simplesmente nasceram pra fazer a coisa... e ela é uma dessas. =]

Daniela Dias Ortega disse...

Não assisti. Depois de ler essa apreciação... fica difícil esperar.. por 6 minutos. Quase que não dá pra acreditar.
Fiquei curiosa, na expectativa.

ps: Et cetera, padre catótico.